Raça, um tema para a bioética?

BIOÉTICA

Trechos relevantes: 

O presente trabalho discutirá o tema da raça a partir da leitura dos textos encontrados no livro “A Coisa Certa a Fazer – leituras básicas sobre filosofia moral” , de James Rachels e Stuart Rachels, no capítulo denominado como Raça. O capítulo faz referência a três diferentes textos, de Martin Luther King Jr, Peter Singer e do próprio James Rachels.  

Abordaremos os principais argumentos dos três autores e apresentaremos de que forma o conceito de raça pode ser um assunto abordado pela disciplina de bioética e por que importa falarmos sobre raça dentro desse mesmo contexto.

King enfatizou que a tensão não violenta era uma parte necessária do trabalho de resistência pacífica e política. Outro ponto de destaque em seu texto é sua consideração a respeito dos grupos privilegiados que raramente renunciam voluntariamente a seus privilégios. Criticava a palavra “Espera!”, que muitas vezes significava “Nunca” para a comunidade negra, o que reforça mais o seu argumento e incentivo da ação não violenta e o pressionamento da lei para obter mudanças.

Nós temos de passar a ver, como o distinto jurista de ontem, que “justiça que tarda é justiça negada”. Temos esperado por mais de 340 anos por nossos direitos constitucionais e dados por Deus.  (p. 301).

Igualdade é um direito inalienável para King, que acreditava firmemente que todas as pessoas mereciam ser tratadas com igualdade, independentemente da raça. King argumenta que a discriminação racial era uma violação dos direitos humanos básicos e que era necessário lutar contra isso para garantir a igualdade para todos. De tal maneira que, aponta King, a não-violência é a forma mais efetiva de luta. Ele acreditava que a violência só serviria para perpetuar o ciclo de ódio e que a não-violência seria uma forma mais efetiva de fazer a mudança. Ao invés de violência, o defensor dos direitos civis aconselhava buscar a compreensão e o diálogo, usando a força da justiça e da verdade para transformar a sociedade

Entendendo a bioética como uma área interdisciplinar que estuda as questões éticas relacionadas à saúde, aos cuidados médicos e aos avanços da biotecnologia, é crucial que os argumentos como de Martin Luther King, tais como a igualdade, a liberdade e a justiça, são fundamentais para a bioética. A igualdade é  uma questão importante para a bioética, pois todos os seres humanos merecem o mesmo acesso a cuidados médicos e tratamentos de qualidade, independentemente de sua raça, gênero ou status socioeconômico. A liberdade também é importante para a bioética, pois cada indivíduo tem o direito de tomar decisões sobre seu próprio corpo e saúde. A justiça, de mesmo modo, é fundamental na bioética, pois é preciso garantir que as políticas de saúde sejam equitativas e que a distribuição dos recursos médicos seja justa.

Dando sequência ao último texto do capítulo Raça, discutiremos as questões envolvidas nos sistemas de quotas, apresentadas por James Rachels, em seu texto “Em defesa das quotas”. Rachels inicia dizendo que ações afirmativas e o preconceito são problemas sociais importantes, destacando a importância de considerarmos a construção social da raça e sua influência na sociedade.

Ações afirmativas são políticas implementadas para compensar as discriminações passadas e presentes contra grupos minoritários, como afro-americanos, mulheres, hispânicos e pessoas com deficiências. Segundo Rachel, existem duas formas de ações afirmativas: quotas e políticas sensíveis à raça.

Ações afirmativas têm sido objeto de debate político e jurídico há muito tempo. Algumas pessoas argumentam que essas políticas são necessárias para compensar as discriminações históricas e atuais contra grupos minoritários, enquanto outros argumentam que as ações afirmativas são injustas porque favorecem um grupo em detrimento de outro. A esse debate, Rachels se posiciona:

Esse argumento leva em consideração um aspecto do processo de seleção que é frequentemente ignorado quando quotas (ou “ação afirmativa”, ou “discriminação reversa”) são discutidas. Frequentemente, a questão é posta nos seguintes termos: pressupondo-se que X é mais bem qualificado do que Y, é justificável adotar uma política que poderia permitir contratar ou promover Y em vez de X? Então, várias razões são produzidas para justificar isso, como que as políticas de preferência reparam os erros, ou que ajudam a combater o racismo e o sexismo. O debate então foca em se tais razões são suficientes. Porém, quando a questão é abordada desse modo, um ponto crítico é negligenciado. As pessoas não vêm pré-marcadas como mais ou menos qualificadas. Antes que possamos dizer que X é mais bem qualificado do que Y, alguém tem de fazer tal julgamento. Eis por onde, muito provavelmente, o preconceito entra em cena. Um filósofo homem, julgando outros filósofos, pode muito bem avaliar pior as mulheres, sem mesmo se dar conta de que está fazendo isso. O argumento que nós estamos considerando tenta reparar esse problema, o qual ocorre antes mesmo de os termos da discussão convencional serem estabelecidos. Naturalmente, esse argumento não visa mostrar que qualquer sistema de quotas, aplicado a qualquer circunstância, seria equitativo. O argumento é somente uma defesa das quotas usadas de um certo modo e em certas circunstâncias. Não obstante, as circunstâncias que descrevi não são incomuns. Sistemas de quotas reais, do tipo mencionado, foram estabelecidos e testados no judiciário durante as três últimas décadas, os quais frequentemente só têm este objetivo: são instituídos para conter o preconceito, consciente ou de outros tipos, que corrompe o julgamento de mérito. (p. 327-28).

De fato, preconceitos deveriam ser considerados como importantes para a reflexão sobre a igualdade e a avaliação de políticas sociais. Além disso, a complexidade da questão aumenta quando estamos falando de preconceitos que se manifestam de forma inconsciente, e mais ainda, segundo Rachels, quando as pessoas são capazes de racionalizar seus juízos preconceituosos. Uma grande maioria de pessoas acredita estar livre de preconceito, mas isso é um engano, de acordo com Rachels, pois preconceitos podem penetrar em nosso pensamento sem nos darmos conta deles.

Esses argumentos têm relação com a bioética, pois a bioética é uma disciplina que se concentra em questões éticas e morais relacionadas à saúde e à ciência. Quando se trata de questões de discriminação e preconceito, a bioética tem a responsabilidade de considerar como esses fatores podem afetar a saúde e o bem-estar de indivíduos e grupos, especialmente aqueles que estão historicamente desfavorecidos.

Além disso, a bioética também considera como questões de igualdade e justiça podem afetar a aplicação de novas tecnologias e práticas médicas, incluindo a distribuição de recursos e o acesso a cuidados de saúde. Por exemplo, é importante que os profissionais da área da saúde tenham em mente as questões de preconceito e discriminação quando se trata de determinar como a tecnologia médica é aplicada e como os recursos são distribuídos para garantir que todos tenham acesso igualitário à saúde.

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