TREINAR O NOSSO OLHAR PARA ENXERGAR A BELEZA ALÉM DO SENSO COMUM - UMA TRANSFIGURAÇÃO DO NATURAL

ESTÉTICA V

Trechos relevantes: 

Lembro-me de uma aula de Kant na faculdade, quando o professor falava de uma passagem do livro A Crítica da Faculdade de Julgar, onde dizia que o juízo, quando não está ancorado nas ideias da razão, isto é, na metafísica especial, tem por si só, sentido, e esse sentido é estético, ou seja, é como ver a natureza na forma de uma poesia, levando-nos a aceitar que de certo modo, existiria uma beleza intrínseca na natureza que poderia ser reconhecida por todos nós.

[…] E o que isso tem a nos dizer quando levamos esses critérios estéticos da natureza para o campo dos humanos? Digo, quando pensamos nos sentimentos que a beleza nos provoca? No momento em que observamos algo e o reconhecemos como belo? 

Acho que precisamos dar início a uma investigação aqui e agora para tentarmos desvendar: o que está por trás do critério estético? Será que o critério estético é universal e todas as mentes humanas pensam assim estruturalmente? Teríamos que recorrer a uma ideia da razão, isto é, a uma psicologia que crie um sentido maior, mais profundo, mais edificante, para saber o que é o belo?

Diferentemente, parece-me que o critério ou os critérios são construídos a partir de um campo temporal e espacial, dentro de um ambiente social e cultural, e nós podemos, em um movimento democratizador, tirar as ideias filosóficas do alto do seu pedestal e trazer elas para os problemas cotidianos e políticos.

Os padrões estéticos que agem sobre o corpo feminino, por exemplo, será que seria natural em nosso juízo, por assim dizer, associarmos a mulher loira de olho azul, magra, branca, assim como retrata Nelly Arcan (2021, p. 50) que diz cultivar sua juventude sem a qual ela não é nada e com seu cabelo loiro que torna seu olhar sexy, como mais bela que a mulher preta, de olho escuro e acima do “peso ideal”? Por que somos direcionados a pensar desta maneira? Existe um motivo normatizador aqui e ele não pertence à ordem natural, mas se refere à cultura. Onde está o critério moral que distingue a mulher negra da mulher branca? São os costumes dominantes de uma sociedade que atuam sobre os corpos e ditam regras de embelezamento. Todavia, nada disso é fixo, precisamos aprender a treinar o nosso olhar para enxergar a beleza além do senso comum. Não é uma tarefa fácil, é desafiadora, e de novo, necessária.

Enxergar além dos códigos éticos e estéticos é reconhecer que toda identidade é uma escolha, uma performance. A diferença está no uso crítico da nossa identidade, nós aceitamos aquilo que nos rotula, ou nós a questionamos? Será que conseguimos ir além do “natural”?

Se a beleza está vinculada ao que consideramos como verdadeiro, gostaria de pensar que o que é belo sempre está em jogo e em disputa, que possamos estar atentos da existência dessa competição, que possamos então preservar a nós mesmos aprendendo a apreciar as diversas belezas em suas alteridades, encontrando assim uma saída para a nossa singularidade.

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